"VOCÊ NÃO SABE QUANTO EU CAMINHEI PRA CHEGAR ATÉ AQUI..."

terça-feira, 2 de julho de 2013

Meu passado não me condena...leia, leia, leia :)

Em tempos de manifestações sociais, luta pela igualdade e valorização às diferenças, cá estou eu.

Vou classificar esse post como uma Catarse, uma verdadeira libertação psíquica. A gente fala, fala , fala, aí fica melhor. Se liberta um pouco do fantasma.

Sofri muito na pele a dor ser vista como diferente e muito ou quase tudo do meu comportamento foi moldado a partir desta situação.

Nunca quis ser modelo para nada e para ninguém, mas penso ser importante compartilhar sentimentos tão profundos e vivências tão fortes.

Nasci uma bebezinha linda e fofinha, exatamente 3,950k.  A minha mãe me contava que não deixava ninguém me segurar no colo com medo de que me roubassem de tão linda que era...conta também ( não confirmo a informação rsrsrsr ) que um olheiro da Johnson em passagem pelo Estado, ofereceu passagem e estadia para que fizesse um teste em SP, mas ela recusou ( ai que odioooooooooooooooooooooo, poderia ser hoje a Gisele bundchen ) kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk...



Mas essa bebê fofinha vivia de gelatinas de uva, biscoitos recheados,refrigerantes, bolos, coxinhas e muitas , muitas guloseimas. A minha mãe sempre foi humilde e de família muito pobre, sua alegria era nos ver comendo e muito bem. Por muito tempo dentro da minha ignorância a culpei por tamanho excesso e suas consequências.

A fofinha virou fofona. Fui engordando, engordando e com 10 anos de idade tinha quase 70 kilos. Lembro da minha primeira ida ao endocrinologista. Saí de lá sem entender muito bem o que eu deveria fazer, e lembro também dos muitos moderadores de apetite que precisei tomar. Me sentia péssima, com dores de cabeça, estômago, tremia e ficava extremamente pra baixo.

Escondia comida debaixo da cama, no armário e as formigas ou baratas sempre me deduravam. Diante de tudo isso tive meu primeiro opressor dentro da própria casa: meu irmão mais velho, que junto a um primo da idade dele azucrinavam a minha pobre vida de criança gordinha. Eu era baleia, pou banha ( esse meu primo que me deu ), rolha de poço, orça e muitos outros. A minha vida era um verdadeiro inferno de dante. Eu queria sumir para bem longe, mas meu peso não me dava ânimo nem para andar de bicicleta que eu gostava tanto.

Na escola era um tormento. Era excluída e para poder sentar com as “amiguinhas” no recreio, precisava dar todo o meu lanche, mas também tinha q ficar sentada com elas, mas calada sem falar nada. Era só uma encenação. Pra melhorar eu havia me tornado uma menina estranha, porque tinha cabelo curtos, um diastema que deixava meu dentes da frente levemente separados e nada de roupa me caia bem.



Me recordo de ter sido perseguida pela minha segunda algoz com nome de Karla na quarta série. Pronto, cansei. Caímos na porrada e naquele dia eu decidi dentro de mim que se preciso usaria a força física. Comecei a ser falsamente respeitada, mas ainda debochavam e muito de mim.

Quando fui para uma escola de maior porte, o terror era o uniforme ( eu sempre tinha que mandar fabricar uma numeração especial ). Sem contar a educação física e os dias de teste ergométrico, onde precisava pesar. Todos esperavam em grupo a minha vez, e eu chorava ,chorava, chorava. O esporte nunca fez parte da minha vida , porque nunca fui motivada. 

Mas também, quem iria motivar uma gordinha preguiçosa e apática como eu era?

Me recordo de uma vez na escola ter corrido para não enfrentar a fila na cantina na hora do recreio. O pátio estava molhado e eu simplesmente me estabaquei. A escola que tinha um outro andar propiciou um espetáculo de horror. Eu caída como se estivesse em uma arena e todos, todos rindo de mim. Fiquei deitada no chão de cabeça baixa, embora os coordenadores tentassem me levantar, eu fazia força para baixo. Só me levantei quando todos estavam em suas salas. Neste dia fui direto para casa.

Muitas dietas chegaram, perdi peso, ganhei novamente, tentava ginástica, balé, uma tentativa de handebol, caminhar, bicicleta, mas no final tudo voltava.

Fui a adolescente melhor amiga da rapaziada. Os meninos não me olhavam, e os que olhavam tinham vergonha de assumir que gostavam de mim.



Neste meio tempo tive períodos com menos peso onde não era tão descriminada. Fiz amigos, tinha uma turma boa e agora sim, era respeitada. Mas entendi que o respeito ainda era medo, não o medo de apanhar da gorda, mas porque havia me tornado uma pessoa agressiva, com respostas prontas, arrogante e meus amigos achavam isso o máximo. A forma como também humilhava os outros, da mesma forma como sempre me humilharam.



Meus namoradinhos vieram tardiamente e eu sofria as paixonites não correspondidas. Horas e horas no quarto ouvindo música de corno , comendo, chorando e me lamentando não ter forças para mudar tudo isso.

Uma vez um deles me disse: sou muito para você, gorda. Precisa emagrecer. Essa frase martelou na minha cabeça por muito tempo. PS ( esse mesmo cara anos depois quis me namorar, mas aí dei o troco kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk )

Eu saía, me divertia, mas me sentia mal.

Nada ficava bem, não conseguia entrar em uma loja e comprar roupas como na cea, Mesbla ( na época ), Sabina...nada dava em mim. Tinha uma costureira particular que fazia de tudo para me agradar, mas nada, nada ficava bem.

Nesta água os vexames e humilhações aconteciam de forma constante.

As vezes que entalei na roleta, as vezes que não cabia na cadeira do ônibus, as vezes que fui alvo das piadas, dos risos de ironia...

Me recordo uma vez de ter ficado entalada em uma porta giratória em uma loja muito chique. Fui trocar uma calça da fórum que era uma novidade quente na época. A calça havia sido dada pelo meu irmão e não coube em mim, é claro.

Meu irmão foi crescendo e as perseguições diminuíram, acho mesmo que com o tempo ele sentia mais pena e vergonha de mim do que qualquer outra coisa.

Meu primeiro namoradinho era o mais feio de uma turminha fajuta que se dizia punk. 

Turminha a qual meu irmão pertencia. Ele tinha um olho de vidro, uma cicatriz no rosto e era muito, muito estúpido. Assim como eu também era.

Mas a verdade é que ele gostava de mim e eu que comecei a namorar para tentar me incluir no esquema, acabei gostando dele também. Mas não deu certo e depois dele mais alguns apareceram. Nem preciso dizer que eram homens complicados, acomodados, de situação econômica inferior a minha...enfim, esse dedo podre eu ainda carrego de alguma forma.

Eu precisava dominar os relacionamentos e ao mesmo tempo não podia me dar ao luxo de escolher.

Mas uma coisa é certa, eu fui amada por todos os homens com o qual me relacionei. Isso não posso deixar de falar.

Depois dos 18 anos a coisa desandou de vez. Entrei em um estado depressivo profundo que não conseguia perceber. Comia, comia, comia e finalmente chequei aos 141 kilos.



Eu era de mal comigo e com o mundo. Tudo era motivo para briga, mágoa e desentendimento, inclusive familiar.

Nesta época saí por um período curto da minha casa por causa de uma briga com meu irmão.

Comecei a fumar e comer mais ainda.

Hoje consigo analisar as situações e traçar paralelos, mas na época era muito difícil.

Consegui as duras penas entrar em uma faculdade particular em um curso que não era o meu sonho inicial, mas persisti porque queria dar  orgulho ao meu pai de ver  a sua única filha formada em um curso superior.

Eu não tinha animo e disposição para batalhar pelos meus sonhos, porque isso exigia de mim movimento físico, tudo que não tinha naquele momento. Eu tinha o cérebro, mas me faltava o corpo.

Sempre fui vista como uma pessoa inteligente, com o dom da fala e da escrita, mas não conseguia reverter isso a meu favor.

Fiquei em SPA, fiz plástica ainda gorda para diminuir barriga e seio , mas tentativas frustradas.

Nesta época há mais ou menos uns 12 anos atrás começava a ouvir falar da redução de estômago. Mas não é nesta cirurgia que quero focar o post.

Acabei conhecendo uma pessoa, me casei, tentei engravidar e não conseguia. A vida continuava um tormento.

As portas de emprego eram fechadas pela falta de experiência e principalmente pelo meu peso. Já cheguei a ouvir que eu não teria disposição para subir as escadas de uma escola. Sim, me formei em Pedagogia.

Isso me fez lembrar das fotos do convite da formatura. Da beca enorme e da pose que tínhamos que cruzar as pernas e eu simplesmente não conseguia. Uma amiga chamada katia Carretta vai lembrar deste episódio ( eu acho ).

Meu intelecto fervilhava, eu era inteligente,queria o mundo, mas o mundo não vinha.

Decidi fazer essa bendita desta cirurgia, ainda estava casada. Devo também ressaltar que meu ex marido me conheceu enorme de gorda e ele me amou daquele jeito.

Não tive apoio de quase ninguém. Fui com o meu pai para o hospital. E ele chorou junto comigo quando entrei no centro cirúrgico, mas eu ainda consegui brincar que eu morreria feliz.

Sim, eu quase morri umas 3 semanas depois. Tive uma estenose e a passagem do esôfago simplesmente fechou. Fiz dilatações com balão, lamina e eu sentia tudo, toda a dor. Inclusive a dor de ouvir que eu precisaria reverter a cirurgia.

Não conseguia comer, beber...e muito menos andar. Estava fraca , muito anêmica.

Até que mais uma vez o milagre se fez. E um dia antes da provável reversão da cirurgia, eu consegui me alimentar. 

Formatura festa


Daí pra frente a vida seguiu.

Tive problemas de aceitação comigo mesma. O espelho retorcido.

Não conseguia enxergar a Andreia emagrecendo. Sofria muito. Desenvolvi uma compulsão alimentar forte .





Decidi não procurar ajuda médica, o que me custou caro em todos os aspectos até hoje.

Poderia ficar aqui falando horas e horas e horas de tudo que depois me aconteceu. Mas 
prefiro me ater a tudo que fez com que eu desacreditasse de mim.

Tentei tirar a minha vida uma vez tomando remédios. Não entendia como eu não poderia ser feliz do jeito que eu era. Por isso que digo que a satisfação deve estar dentro da gente.

É legal entrar em um jeans 44, comprar roupas, cruzar as pernas, sentar em uma cadeira de plástico sem ela abrir ( esse foi o momento mais emocionante depois q emagreci ), mas conheço pessoas que estão acima do peso, mas são felizes, se curtem , se gostam, mas sofrem uma pressão desgraçada desta sociedade podre que vivemos.

Claro que não faço apologia a gordura por questões de saúde mesmo. As comorbidades que vêm com a obesidade são muito sérias e graves, mas também não faço campanha para redução de estomago, porque as complicações também são sérias e eternas.

Geralmente as pessoas não se preparam para lidar com essa cirurgia e se sentem muito fracassadas depois. É claro que tem o período da euforia onde tudo é lindo, mas muitas pessoas tentam associar suas questões existenciais com o excesso de peso, e depois percebem que emagreceram mas continuam infelizes.

Devo dizer que continuo sedentária e ainda com cabeça de obesa, mas muitos valores mudaram. Hoje consigo ver a vida com mais simplicidade e não culpar o mundo pelos meus problemas. E também quero andar de bicicleta novamente rsrsrsr

Consigo também perdoar todas as pessoas que me fizeram tão mal as vezes sem ao menos ter a noção do quanto.

Não preciso mais humilhar, responder, maltratar, a vida já fez muito isso comigo.

Mas o que realmente ficou mais latente dentro de mim é o respeito por tudo que não é tido como normal. Não admito , não aceito e não tolero gente preconceituosa.

Fui obesa mórbida, casei com um negro, tenho dependente químico na família, homossexuais e definitivamente o diferente faz parte de mim e da minha história de vida.

Amo o meu passado, meus tormentos, porque de certa forma eles me fizeram uma pessoa um pouco melhor ou menos pior rsrsrsrsr

A vida bate, a vida ensina, isso é verdade.

Mas a grande questão é : SEJA FELIZ CONSIGO MESMO. É difícil ser feliz sendo julgado a todo tempo, mas o preço disso é a satisfação de fazer uma escolha e arcar com tudo que vem junto.

Ah sim, eu perdi quase 70 kilos, mas engordei um bocado novamente, depois emagreci...enfim...






Hoje sou uma mulher de 38 anos, mãe,fofinha linda e com um filho mais fofinho e lindo ainda.

Se você foi marcado neste post é porque foi testemunha direta ou indireta deste processo de crescimento, ou porque achei que deveria ler. Obrigada.

Muito prazer, Andreia !



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